quarta-feira, 14 de julho de 2010

Escrever é simplesmente colocar no papel aquilo que está dentro do coração.

Escrever é muito bom, mesmo que não sabemos direito onde colocar corretamente pontos e vírgulas, mesmo que as  concordâncias não estejam todos certas e que os verbos não estão corretamente conjugados, nada disso importa se escrevermos com verdade  aquilo que está em nossos corações, jamais devemos deixar de expressar nossos sentimentos, idéias e emoções por achar que não escrevemos corretamente.

É claro que temos que nos esforçar para estar sempre melhorando, mais só conseguiremos isso de duas maneiras lendo muito e praticando, ou seja não deixe de escrever aquilo que você tem vontade por medo do que as pessoas vão dizer dos seus textos, saiba que um dia estas pessoas que hoje criticam aquilo que é mal escrito, digo , com erros de português também tiveram que aprender.

Imaginem quantos e quantos talentos são desperdiçados por falta de oportunidade, quantas pessoas que talvez nem tivessem a oportunidade de freqüentar uma escola, esconde dentro de si um talento para escrever. Escrever é simplesmente colocar no papel aquilo que está dentro do coração.
Eu ainda sou um aprendiz mais tento passar com verdade as minhas emoções, sentimentos e idéias.

Este texto a seguir de  Fidêncio Bogo, diz exatamente o que estou querendo dizer aqui, Leia com atenção, é emocionante!  

                                                       " NÓIS MUDEMO"

     O  ônibus da transbrasiliana deslizava pela Belém-Brasília rumo a Porto Nacional . Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona  enorme pra   namorado nenhum  botar  defeito  . Sob  o luar generoso,   o cerrado verdejante era um presépio  ,  todo poesia    e misticismo. 
     Mas minha alma estava profundamente  amargurada .   O encontro daquela tarde  ,  a visão  daquele  jovem   marcado  pelo    sofrimento , precocemente  envelhecido  ,   a crua recordação de um episódio que parecia tão banal... til .  Meus olhos percorriam a paisagem enluarada  ,  mas ela nada  mais era para mim que o pano de fundo de um drama estúpido e trágico .
 
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      As aulas tinham começado numa segunda-feira . Escola de perife-
 
ria , classes heterogêneas , retardatários .  Entre eles ,  uma criança crescida , quase um rapaz .
 
     - Por que você faltou esses dias todos ?
 
     - É que nóis mudemo onti, fessora . Nóis veio da fazenda .
 
     Risadinhas da turma .
 
     - Não se diz " nóis mudemo " menino ! A gente deve dizer : nós mudamos , tá  ?
 
    - Tá fessora !
 
    - No recreio , as chacotas dos colegas : Oi , nóis mudemo !          Até amanhã , nóis mudemo !
 
   No dia seguinte , a mesma coisa : risadinhas , cochichos, gozações .
 
   - Pai , não vô mais pra escola .
 
   - Oxente ! Módi quê ?
 
   Ouvida a história , o pai coçou a cabeça e disse :
 
   -  Meu fio , num deixa a escola por uma bobagem dessa . Não liga pras gozações da mininada ! Logo eles esquece .
 
   Não esqueceram .
 
   Na quarta-feira , dei pela falta do menino . Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte . Aí me dei conta de que eu nem sabia o nome dele . Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio - L-ucio Rodrigues Barbosa . Achei o endereço. Longe , um dos últimos casebres do bairro .
 
Fui lá , uma tarde . O rapazola tinha partido no dia anterior para cas de um tio , no sul do Pará .
    - É , professora , meu fio não aguentou as gozações da mininada . Eu tentei fazê ele continuá , mas não teve jeito . Ele tava chatiado demais . Bosta de vida ! Eu devia di tê ficado na fazenda coa famia . Na cidade nóis não tem veis . Nóis fala tudo errado .
   Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer, engoli em seco e me despedi . 
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   O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento , ao menos de minha parte . 
 
  Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília , eu ia pegar o ônibus , quando alguém me chamou . Olhei e vi , acenando para mim , um rapaz pobremente vestido , magro , com aparência doentia . 
    - O que é, moço ?
 
    - A sinhora não se lembra de mim , fessora ?
 
    Olhei para ele , dei tratos à bola . Reconstituí mum momento meus longos anos de sacerdócio , digo de magistério . Tudo escuro .
 
    - Não  me l embro não , moço .   Você me conhece ? De onde ? Foi meu aluno ? Como se chama ?
 
    Para tantas perguntas , uma resposta lacônica :
 
    - Eu sou " Nóis Mudemo " , lembra ?
 
    Comecei a tremer .
 
   - Sim , moço . Agora lembro . Como era mesmo seu nome ?
 
   - Lúcio - Lúcio Rodrigues Barbosa .
 
   - O que aconteceu ?  Ah ! fessora !   É mais fácil  dizê o  que não aconteceu .  Comi o pão que o diabo amassô .  E  êta diabo  bom de padaria ! Fui garimpeiro , fui bóia fria , um "gato" me   arrecadou e levou num caminhão  pruma  fazenda  no meio da mata .   Lá trabaiei como escravo , passei fome , fui baleado quando consegui fugi . Peguei fugi .Peguei tudo quanto é doença . Até na cadeia já fui pará . Nóis  ignorante às véis fais coisa sem querê fazê . A escola fais uma farta danada . Eu não devia de tê saído daquele jeito , fessora , mas não aguentei as gozações da turma . Eu vi logo que nunca ia consegui falá direito . Ainda hoje não sei .
    - Meu Deus ! 
    Aquela revelação me virou do avesso . Foi demais para mim . Descontrolada comecei a soluçar convulsivamente . Como eu podia ter sido tão burra e má ? E abracei o rapaz , que me olhava atarantado .
    O ônibus buzinou com insistência .
    O rapaz afastou-me de si suavemente . 
    - Chora não , fessora !  Asenhora não tem curpa .
    Como ? Eu não tenho culpa ? Deus do céu ! 
    Entrei no ônibus apinhado . Cem olhos eram flechas vingadoras apontadas para mim . O ônibus partiu . Pensei na minha sala de aula . Eu era uma assassina a caminho da guilhotina .
 
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    Hoje tenho raiva da gramática . Eu mudo , tu mudas , ele muda , nós mudamos , mudamos , mudaamoos, mudaaamooos... Super usada , mal usada , abusada , ela é uma guilhotina dentro da escola . A gramática faz gato e sapato da língua materna - a língua que a criança aprendeu com seus pais e irmãos e colegas - e se torna o terror dos alunos . Em vez de estimular e fazer crescer, comunicando , ela reprime e opri-
 
me , cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade .
   E os Lúcios da vida , os milhares de Lúcios da periferia e do interior , barrados nas salas de aula :" Não é assim que se diz , meni- no !" Como se o professor quisesse dizer : "Você está errado ! Os seus pais estão errados ! Seus irmãos e amigos estão errados ! A certa sou eu ! Imite-me ! Copie-me ! Fale como eu ! Você não seja você ! Renegue suas raízes ! Diminua-se ! Desfigure-se ! Fique no seu lugar ! Seja uma sombra !"
    E siga desarmado para o matadouro da vida ...
                                    (Fidêncio Bogo ) 


Célia Regina Pessoa 

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